sexta-feira, janeiro 27, 2006

Fingimento

Os lábios pintam-se mas tu não cresces. Observas o espelho. Para ele tu ainda és menina envolvida na roupa da mãe e dos sapatos que assentaram andrajosamente no teu corpo. Os lábios pintaram-se mas tu tornas-te numa boneca de porcelana. Porque é que fizeste isso agora se nada em ti te impulsionava a ir para além de ti? És tu. És tu cujos movimentos e corpo são agora atrapalhados. Ansiavas por parecer a pessoa adulta que não eras. Voltas então a observar o teu reflexo e as medidas antes insuficientes emergiram do crescimento.

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Falsa alma

Varia consoante os sentimentos o nível de sarcasmo. Se acreditas naquilo que sentes o sarcasmo é nulo. Se foges e te arrastas pranteado por uma surdez e mudez catatónicas puras em riste de falsas verdades e deitas tudo para o fundo das costas o sarcasmo domina-te. Depois exprimes na forma de gritos avassaladores de raiva. Odeio. Dizes tu. Amo. Escondes tu. Odeias e amas e não consegues controlar isso. O hábito. O hábito vem destroçar e tornar-se mau conselheiro. O instinto. O instinto não torna a mente oblíqua. Libera e vem sarar. Liberta o corpo e o coração. O coração é a falsa alma dos antigos. Se sentes ele diz que existe. Bate com mais força. Bate com dedicação. "Estou vivo. Deixa-me espalhar este sangue todo pelo teu corpo. Ele também vive". Os antigos não acreditavam na razão sita do cérebro disseste tu. Eu também não.

sexta-feira, janeiro 20, 2006

Astrologia

Como todas as mulheres, tenho uma tendência para ser ligeiramente assídua nas lides da astrologia. Gosto mesmo de ver essas coisas. Mas por vezes são tão misteriosos e esotéricos que penso "ah..mais valia estarem calados" e prometo a mim mesma nunca mais, mas nunca mais ir ver as cartas da maya ou o Paulo Cardoso no jornal. E não é exactamente o primeiro sítio onde vamos procurar? Só depois é que vem um interesse pelo mundo em geral. O sharon abriu os olhos? Bom para ele...e o que é que diz hoje o Paulo Cardoso sobre o que vai acontecer com o signo de capricórnio? Ai...o futuro. Será que hoje vou ter um dia esplenderoso em que vou encontrar a minha alma gémea? Será que o meu chefe vai finalmente reconhecer o meu valor produtivo na empresa mesmo que eu nunca tenha feito um esforço nesse sentido e vai aumentar-me e dar um ano de férias pagas num destino à minha escolha? Será que vou ganhar o Euromilhões esta semana mesmo sem ter adquirido o talão mágico? Será que estou a pedir demais? Mas um "Já reparou que o seu mundo doméstico está saturado de coisas que enchem as gavetas e os armários desnecessariamente? Deite fora o que não precisa." é algo que me faz pensar...Realmente tenho aí tanta porcaria para deitar fora...este homem sabe o que faz. Sabe prever as coisas. Como é que ele sabia isto? Sim..a resolução de todos os meus problemas está neste tipo de sensos comuns que não deixam de ser um vício. E digo isto apenas para exorcizar um dos meus muitos demónios que é esta dependência de uma permanência da incerteza quanto ao que poderá vir e relativamente às consequências das minhas escolhas (e não fosse um dos trânsitos de hoje a possibilidade de forças ocultas virem a possuir a minha já deturpada mente).

quinta-feira, janeiro 19, 2006

PROZAC

No outro dia encontrei no comboio um amigo que não via há uns tempos. Sempre que nos encontravamos era uma verborreia de palavras que envergonhava o próprio Diabo. Por isso mesmo, estava à espera de um cumprimento do género "é amiga! tás toda boa..quero comer-te agora!" ou então "deixa-me lá ver o teu pito! És a única gaja fácil que eu conheço que deixa-me observar o pito indescriminadamente" (palavras difíceis que eram usadas num contexto porno amigável do vamos-lá-a-ver-se-como-esta-gaja-um-dia-destes). Mas não foi isso que aconteceu. Primeiro ele surpreendeu-me com um singelo "olá" e depois com um "está tudo bem contigo?". Foi nesse momento que um clic se fez no meu cérebro e perguntei-lhe "tu tás parvo ou quê? O que é que se passa contigo?" Ele conta-me então que agora tem estado mais calmo. Que teve uma depressão e que andava a tomar Prozac para o manter equilibrado. Mas o equilíbrio pode ser uma situação relativa. Ele não parecia ele. Parecia um indíviduo descontextualizado dele mesmo. Foi então que lhe perguntei sobre a razão da depressão dele. Respondeu-me que não se lembrava. Que tinha começado do nada. Então comecei a puxar pela cabeça e lembrei-me da quantidade de gente que anda por aí deprimida. Neste momento, quase todos os meus conhecidos e amigos. Os da minha idade. Os mais velhos. Até os mais novos. Parece que o peso do mundo se abateu sobre todos. Parece que vai abater-se ainda mais. Neste momento andamos todos numa situação de precário equilíbrio o qual, mais dia menos dia, irá acabar por se desvanecer num copo de água e num comprimido de Prozac.

terça-feira, janeiro 17, 2006

O desafio

Mesmo assim o friozinho na barriga não me impediu de te mostrar que ía conseguir. Na porta do moinho velho olhávamos os dois para o topo e, com voz desmistificada de desafio disseste-me "vamos subir até àquele ponto". Prontamente fui acedendo porque soube que estava ali um ponto de partida para o "vou ali porque ainda ali não fui e vou ali porque vou contigo".
Subimos degrau a degrau a escada partida pela degradação e quando esta acabou trepámos pela parede como se tivessemos aparência de aranhas. Tu situavas um pé aqui e ali e eu imitava a tua marca de acção. No fim. Num impulso de força. Tu puxaste-me. "Vives de impulsos", relembraste-me com esse gesto. A tua mão rodeou a minha matéria personificada pelo meu braço e assim num passo falso de movimento um último esforço. "Não me soltes". Num reflexo o meu pensamento produziu uma mensagem perturbante "não quero que me soltes. se não me sinto segura caio e nunca mais me levanto". Era alto. Muito alto o sítio onde me levaste. Quando lá chegámos pudemos sentar-nos no cimo das paredes do moinho desprotegido e olhar para baixo. Para o sítio do desafio.

domingo, janeiro 15, 2006

As perguntas certas?

Há quanto tempo é que chegaste a Portugal?
Foi difícil a integração?
O que é que se passou na escola?
Como e quando é que começaste a dar-te com os teus amigos?
Concordas com o que fizeram? Na altura concordaste?
O que é que te levou individualmente a roubar? O que é que vos levou em grupo?
Era uma forma de te dares bem com os teus colegas?
Nunca pensaste que poderíam haver outras alternativas para além de andares a roubar?
O que é que pretendes fazer com o teu filho?
A mãe do teu filho é a tua actual companheira?
Quem é que suporta actualmente as despesas e o sustento do teu filho?
A tua irmã tem rendimentos suficientes para isso?
O que é que pretendes fazer quando saíres daqui?
Já tens alguma coisa garantida?
Pretendes organizar a tua vida com a tua companheira e com o teu filho?
Conta-me o que se passou desde o início.
Quantos roubos é que praticaram?
Em que alturas?
Usaram violência?
Chegaram a que nível?
Andavam normalmente com armas brancas ou era só nessas ocasiões?
Roubavam porque queriam aquilo ou era indiferente o que íam roubar?
Era um desafio?
O que é que sentiste quando a PJ foi buscar-te a casa?
Porque é que te sentiste tão atrapalhado perante o juiz? O que é que estavas a pensar?
Sentiste arrependimento antes ou depois de te aplicarem prisão preventiva?
Se te libertarem achas que vais conseguir mudar de vida?
Se te aplicarem pena de prisão efectiva o que é que achas que irá ser da tua Vida?