sábado, setembro 17, 2005

A revolta das canetas

Não tenho nem uma caneta que escreva em casa. Juro. Por tudo que há de concreto e real nesta vida. Não juro pelo que há de mais sagrado porque não tenho a certeza de que existe sagrado, porque não me apetece cair em discussões metafísicas, que não são o meu forte, preferindo morrer ignorante no que na expectativa e, porque temo ceder à tentação de elaborar demasiadas blasfémias seguidas. Porventura, pelo menos uma vez por dia aconselho a todos a pensar numa heresia qualquer, mas não cair no excesso, podendo correr o risco ir parar ao hospital por sermos tão espicaçados e surripiados por olhares pouco benignos ou, então, existe o sério risco de se considerar banal o comportamento herético. Mas continuando a estória das canetas. As canetas nesta casa raramente têm um período prolongado de vida. Suicidam-se aos montes. E nunca consegui convencer uma caneta a não fazê-lo. O suícidio é pecado mortal. Explico-lhes. Mas elas respondem-me logo que se não acredito então não vale a pena referir a palavra “pecado”. Por vezes conseguem pôr-me triste. Uma Concor cor de rosa com coraçõezinhos brancos respondeu-me que o suícidio era o caminho inevitável de todo o objecto que se sentisse constantemente escravizado. Elas não gostam de viver em estojos. Não apreciam a companhia de um lápis. Ainda muito menos de uma lapiseira. Dizem que são péssimas sósias. Tentam copiá-las no visual. Mas quando as usam para escrever, a farsa é relevada. Um fio de carvão muito fino que desenvolve caracteres pouco explícitos. Uma lapiseira pois seja. Nem água nem vinho. Assim as canetas buscam a libertação. Secam. Mas sei que é só na minha casa. Esta revolta das canetas. Eu pedi-lhes para escreverem o que mais desejavam ver concretizado. As condições ou termos para acabar com este motim. Elas explicaram-me que uma vez concretizados os desejos delas não mais teriam ensejos e a sua existência tornar-se-ia vazia. Queriam continuar numa situação forçosamente subalterna. Que eu permanecesse como ditador. Assim a vida continuava a ter sentido. Depois não saberiam mais o que querer. Então, com medo do desconhecido continuamos na mesma situação. Eu com as minhas canetas secas, elas num sistema constante de subversão perante a ditadura do não sei o quê, já que elas recusaram-se em informar-me o que está verdadeiramente em causa.

domingo, setembro 04, 2005

A luz

Tomo o coração
Por parâmetros de impaciência
Que do Amor sou incapaz
Do total
Que não expôs
A luz
Porém
Não o verei nunca perdido
Se amanhece nas ondas
Sobre o Céu desfeito em estrelas
Por canetas de arame
Não farpado
Mas em forma de pé e de mão
De olho
De cabelo arrancado
Este por forças da alma
Do corpo que se remexeu nos escombros
Daquela noite já perdida
Ela no teu toque
Porque amanhã haverão outros
E outras
Que se renderão
Ao encanto do teu Paraíso ofertado