quinta-feira, maio 18, 2006

Muro

Era o muro que atravessava o terreno. Dali até aqui. Podia ouvir a mensagem da voz grave pertencente a ti mesmo e a minha mais aguda absorvia o eco da tua. “Onde vives”. Perguntavas. “Deste lado”. Respondia.
Continuámos encostados à parede inerte pressentindo a vida do outro lado. “Onde estás?”. “Estou aqui”.
E a tua respiração longínqua. Igual à minha. Umas vezes acelerada. Outras lenta.
E vivemos anos agarrados ao muro. E existimos sempre um dependente do outro, separados e unidos por um pedaço de cimento que nos permitia apenas acompanhar os ruídos um do outro. Conversámos horas a fio. Mas era sempre a mesma conversa. O que iria acontecer quando não tivéssemos um muro para nos limitar. Seria motivo de alegria. Pois claro. E era possível que acontecesse algo diferente. Não fosse este muro, dizias tu, seríamos um para o outro como este muro é agora para nós os dois. A nossa vida.
Um dia acordámos. Com o muro desaparecido o pânico instalou-se. Eu só conheço a tua voz. Agora já não te conheço a ti. Apesar disso fugimos os dois com o receio verbalizado mas não sentido de que o muro voltasse a aparecer. Mas o que era conhecimento para nós deixou de o ser. Uma nova realidade para os dois. Agora calados só olhávamos um para o outro. O que fazer? Quem é este desconhecido. Já não reconheço esta respiração. Este murmurar. Quem é esta pessoa que agora não me deixa. Eu quero aquela voz abafada pelo som. A incógnita.

O muro separava e unia. Agora já não conheço quem foi o meu companheiro de tantas horas da minha solidão física.