terça-feira, abril 26, 2005

Consagração

Naquela primeira vez em que ela o elevava no topo dos braços para o cimo dos céus queria amansá-lo um pouco. Só com um olhar controlar o pequeno ser. Sonhava ela com o futuro. Enorme. A vida dá grandes voltas e grandes voltas são dadas à vida. Frase feita. Não estava ali para pensar em mais. A criança tentava rechaçar o frio húmido que já se lhe incrustava na pele tenra. Tenra por ser recente. Recente por ser perene pois já o envelhecimento apoderava-se dela. Já a criança era tocada na espinha dorsal pelas dores deste mundo. Não havia sentires pecaminhosos. Ainda. Seria um dia homem para poder compreendê-los. Vivê-los. Afastá-los. Afagá-los. Haveria de ser um dia homem. Esta noite era o que era. Uma criança consagrada à noite. À virilidade da densidade da temperatura humedecida. E a mulher soltava águas que lhe devoravam o rosto já o filho amparava a iluminação da Lua. Não sentia. Não sentia. Mas o filho iria sentir. Por ele. Por ela. Por ambos. Entretanto ele só iría desejar o preenchimento de necessidades básicas. Uma. O querer sentir-se aconchegado. Mas antes. Ensinar-lhe a sentir. Como mais ninguém o fizera com ela. Iria apascentá-lo com um pouco da sua frugal frieza raramente partilhada desta forma. Não seria somente física. Agora era só um animal. Naquela altura. Da vida dele. Sentira só um frio físico. Sentiria mais tarde tudo. Por si. Por ela. Por todos. Tinha ultrapassado o rio do esquecimento para viver. Viver as paixões humanas. Os ódios. Os humores variantes e variáveis. Tinha para isso sufragado a barreira do corpo dela. E para isso suportou ela o implodir do baixo ventre em fragmentos de vida encarcilhados naquela biologia mágica. Obra dela. Fruto seu. Seria um dia fruto iluminado. De dentro para fora. Seria um guia. Um Guia da Almas.


Entretanto o tempo escorria lá no topo dos braços dela

1 Comments:

Blogger Andre_Ferreira said...

Adorei o texto! O dificil nascer pelas palavras!

Um dia perguntaste-me pela fel e na ausência presença dela, como tu dizes encontrei-a, até em palavras!

Beijinhos

11:27 da manhã  

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